E quando se diz balbúrdia sexual, quer-se mesmo dizer balbúrdia sexual.
A aldeia encheu-se de um tremor de gemidos inacreditáveis, onde se afirmou, numa vez última a virilidade daqueles que a já não exercitavam há algum tempo, a lubrificação sexual de toda a velharada no ranger mais que descompassado de inúmeras e incontadas camas, ranger esse que não parou a tarde inteira, passando a noção de que os velhos se divertiam com a evidência auditiva dos seus comportamentos e, por isso mesmo, se revezaram nos seus vaivéns de modo a que o silêncio não se tivesse podido impor durante horas sem frio.
O som da madeira alternou-se com o barulho estrondoso de duas camas que se partiram, na simultânea libertação de dois verdadeiros urros. A vivência sexual tinha sido tão intensa, a requisição que as velhas fizeram aos seus corpos e músculos fora tão elevada, que ambas viúvas demoraram a extensão de toda a tarde e início da noite para declarar ao mundo e a si próprias o passamento dos seus maridos no cumprimento exarcebado da função sexual. E os dois homens, repousando ainda sobre as doloridas madeiras escarpadas no chão, haveriam de ser enterrados com os mesmos sorrisos perversos com que foram encontrados.
Nas ruas, as práticas eram idênticas. As burras zurravam na intensidade das erecções daqueles burros imparáveis, que andavam de burra em burra saciando as suas fálicas admoestações. No campo aéreo, o mesmo: pombo com andorinha, andorinho com pomba, morcega com pardal, pardala com cuco, e outros eventuais cruzamentos havidos.
Menos sorte teve a galinha.
Ao chegar a casa, o lavrador procurou a já habitual cabra com quem mantinha relações afectuosas e periodicamente sexuais. Não satisfeito com o resultado, quem sabe, conduzido unicamente pelo forte instinto que tantas vezes anula a razão, foi também à primeira porca que lhe apareceu, e sobremeseou-se ainda com a esquelética galinha que, meio adormecida, se sentiu vigorosamente penetrada pelo membro humano.
Um galo furioso atacou o lavrador no pescoço, mas as bicadas do galináceo pareciam apenas potenciar a excitação do violador que, no paroxismo da sua testicular urgência, berrava inchando as suas veias pescocinas:
-Entãooo...? Entãoooo ?... Não dizes nada?!... Ahnnnnnn!?... Nem dizes nada?!...
-Piuuuuu... piuuuuuuuuuuuuuuuuuuu... -gemeu a galinha.
Simultaneamente, KoTimbalo reconhecia, na mão de Dona Mamã, o estranho crucifixo que vislumbrara no seu sonho de sexta-feira.
À medida que as danças tomavam conta deles, e no ponto exacto em que se apercebeu que os seus corpos não se separariam mais até à consumação daquilo que lhe parecia inevitável, KoTimbalo, o coveiro destapou o coração:
-Agora percebo tudo, Dona Mamã...! - berrou acima do barulho que se instalara.
-Compreende o quê, KoTimbalo? - a boca de Dona Mamã já tocando os lábios do coveiro.
-O sonho... o sonho... Dona Mamã, nós estamos destinados, percebe?
-Sim... sim... - Dona Mamã, sorrindo eroticamente.
KoTimbalo, ao descer a escada da igreja e preso à multidão, sentiu os testículos tão proeminentemente gravitacionados que julgou tombar com o peso duplo. Não esperou mais:
-Dona Mamã... fazemos assim, vamos casar!
-Então e as suas filhas? - perguntou Dona Mamã, na escassez de instinto maternal que resistia ao momento.
-As minhas filhas também...- sorria, berrava, dançava, KoTimbalo.
-E onde cabemos todos...? - joelhos, ancas, sexos roçando-se.
-Na sua casa!
-Ai não!, isso não posso... que o falecido fez-me prometer que mais nenhum homem lá entrava...
Então está resolvido! - começou a arrastá-la para o cemitério. - Elas vão para a sua casa e nós ficamos na minha!
Capítulo retirado da obra " O Assobiador " de Ondjaki
2 comentários:
De repente fizeste-me lembrar a apóteose do livro "O perfume" de Patrick Suskind (espero ter escrito bem ó primo da Edite.)
É Patrick Süskind. Por acaso o meu livro favorito bem antes de o terem matado em cinema... enfim.
Em relação a este texto gosto das contrariedades mórbidas e do que deixa a adivinhar.
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