A bandeira do filantropismo flutua na aldeia do Monte hasteada pelos membros da Agência de Socorros e todos os homens de bem contribuem com o seu saber e a sua devoção para aliviar o sofrimento da humanidade. Os filantropos, do seu pedestal, dão a mão desinteressada. As vítimas no abismo, de joelhos, recebem o auxílio de mãos erguidas no ar. Como na prece. Deliram, satisfeitos, porque recebem o maná vindo da misericórdia divina, Deus ouviu os nossos lamentos. Receberam roupas, mantas, panelas, medicamentos, farinha, sabão, peixe e feijão. Já não há pobreza nem sofrimento na aldeia do Monte, o mundo está cheio de almas bondosas. Todos comem até saciar e esquecem o trabalho na machamba, para quê trabalhar se os homens bons nos dão tudo? Quando esta comida acabar, receberemos outra. O povo não exerce os seus deveres, as suas tradições, e espera pela esmola, nova forma de colonização mental. Mas nem tudo o que vive no mar é peixe. a desgraça de uns é a sorte dos outros. Alguns indivíduos neste grupo de boa gente com o pretexto de ajudar, ajudam-se. Os produtos de primeira necessidade são escassos no tempo de guerra, têm muita procura e são bem pagos. Desviam-se. Vendem-se nos mercados clandestinos. Os desonestos enriquecem. Os pobres depauperam. Os esfomeados recebem apenas migalhas dos alimentos a eles destinados. Os desempregados empregam-se. Os poetas encontram no sofrimento dos outros a melhor inspiração e fazem carreiras de pompa na arte de escrever. Se um dia a guerra terminar e a vida voltar à normalidade, o que será feito dos filantropos de ocasião? A aldeia do Monte foi assaltada por bandos de humanistas de meia tigela que se proclamam verdadeiros salvadores como se, para salvador, não bastasse a imagem de Cristo.
Excerto de " Ventos do apocalipse " de Paulina Chiziane
1 comentário:
Só agora, ó merdas?.
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